domingo, 29 de março de 2009

Os ministérios no Evangelho de Lucas

No que concerne aos ministérios, como no que se refere ao dom do Espírito e à missão aos gentios, Lucas tem o cuidado em não mesclar as épocas. Distingue claramente o tempo de Jesus e o tempo da Igreja. Se este é o tempo da aparição progressiva dos ministérios exigidos pelo crescimento e a diferenciação do novo povo de Deus o tempo de Jesus é aquele em que se inaugura toda a vida futura desse povo, condensada e manifestada na pessoa, na mensagem e na ação do mestre.

Jesus em sua missão temporal concentra em sua ação todo o serviço do povo de Deus: pelo Espírito que possui em plenitude e por si só por sua pregação e seus milagres, por suas fadigas para congregar a esse povo, por oblação de sua morte como sacrifício da Nova Aliança que conduz a sua glorificação pascal. Deste modo, é a fonte e o modelo de todo o serviço, de todo o ministério futuro.

O mesmo funda-se o ministério futuro com a eleição dos apóstolos que serão suas testemunhas. Os prepara a sua missão associando-os a sua, até a aparição da páscoa em que lhes dá a investidura de sua missão.

Jesus não institui em seu tempo mais ministros além dos doze. Somente neles são criados o ministério da Igreja. Lucas bem sabe que o tempo da Igreja dos doze não serão os únicos que levarão a mensagem de Jesus. Por isso apresenta em seu evangelho outras testemunhas, outros colaboradores da missão. Mas, respeita os atos suficientemente como para não apresentá-los como ministros oficialmente instituídos.

Ao apresentar os ministérios da Igreja Lucas não responde a numerosas interrogações que nós fazemos hoje. Quais são as instituições eclesiais e os serviços que dependem da iniciativa individual? Qual são as tarefas passageiras e as funções permanentes? Como foram instituídos os anciãos de Jerusalém e reconhecidos os profetas? Quais são os poderes do ministro? Quem confere o batismo? Quem preside a fração do pão? Lucas não responde estas perguntas; ele nem sequer se preocupa com isso, pois essa não é sua intenção. Tem que aceitar sua obra tal como ela é e, esperar dela somente o que ela pretende dizer.

Como bom historiador se interessa por seus personagens. Se detem a eles na transmissão do evangelho: antes dos doze, Pedro e Paulo, mas também, Estevão, Felipe, Barnabé, Silas,Timóteo e Apolo. Se fixa mais nas ações do que nos títulos e poderes; dá mais importância a pregação do que a autoridade, mais a continuidade viva do evangelho que a sucessão jurídica dos ministros.

Está de acordo com o tema de sua obra: pela voz destes homens está a palavra de Deus que avança e se realiza no mundo pagão. A salvação realizada por Jesus está testemunhada primeiramente pelos apóstolos que ele escolheu. A Igreja viverá sempre deste testemunho. Mas, a missão se estende a outros ministros. A instituição é uma obra eclesial no que intervem fatores humanos: os dons e iniciativa dos novos ministros, o discernimento e a decisão dos responsáveis na participação da comunidade. Mas, baixo estes fatores, Lucas vê que o Espírito suscita os ministérios da Igreja. Vê em Deus que conduz seu povo a salvação por meio dos dons que concede a cada um para a vida e o progresso de todos.

Referencia bibliográfica

GEORGE, A.; La obra de Lucas: hechos y evangelio in El ministério y los ministérios segun el nuevo testamento. Madrid: Ediciones Cristiandad, 1975, pp. 224-225.

domingo, 22 de março de 2009

Todo o ser é belo - A beleza do ser e os filósofos da época moderna

Os filósofos que não situam a verdade e a bondade no real negam também a beleza objetiva das coisas. Kant afirma que o julgamento do gosto não é um julgamento de conhecimento porque ele está estabelecido somente em fatores puramente objetivos. Hoje, esta redução da beleza à uma avaliação subjetiva é muito respondida. Assim, G. Santayana confessa não entender porque outras pessoas deveriam achar belo o que se estima belo por si mesmo. Segundo ele isso não se compreende por si, porque a beleza não existe no mundo exterior e é senão um valor que nós concordamos nas coisas. A beleza é a objetivação de certo prazer.

Segundo Jean Paul Sartre, a consideração estética é um sonho provocado e a passagem no real é um autentico sonho. As coisas nunca são belas. A beleza é um valor que não se pode aplicar, senão, no que se imaginou, ela comporta a ansiedade do mundo na sua estrutura essencial.

Estas posições assinalam uma oposição entre o mundo dos fatos e o domínio dos valores. Como escreve A. Maurer, a opinião segundo a qual a beleza é subjetiva e as coisas são espantosas é uma herança da filosofia moderna que, desde Kant, proclama que o fundamento de um julgamento sobre a beleza não pode ser senão a sensação de prazer que nos provam quando somos convencidos por uma coisa. Ora, segundo ele uma tal sensação é puramente subjetiva. Nossa experiência das coisas, que nós consideramos belas, esta, portanto, em contradição com estas teorias. Nenhuma delas explica porque uma bela coisa é percebida como objetivamente bela: um por do sol, uma cadeia de montanhas, animais, arvores flores são percebidas como belas em si mesmas. A doutrina do belo de Santo Tomás afirma a característica objetiva da beleza, mas, ela não nega que na percepção do belo, a emoção e o prazer tenham com efeito um lugar, como indicamos mais acima, quando falávamos da ratio subiectiva pulchri.

Neste contexto é oportuno lembrar que a metafísica estuda as coisas que não são feitas pelo homem e não considera os objetos da arte humana enquanto tais. A avaliação da beleza destes produtos pode ser difícil, se o artista quis exprimir certa idéia que não tem senão uma relação afastada com a representação. Os elementos constitutivos da definição da beleza podem não estar todos presentes numa obra de arte. A integridade ou harmonia das partes, por exemplo, é muitas vezes, sacrificada por fazer destacar-se certa idéia e criar uma impressão particular como, por exemplo, o aspecto repulsivo de certos produtos da tecnologia, a extrema pobreza ou o lado cômico ou miserável da vida humana.


ELDERS, L.J., La metaphysique de Saint Thomas d’Aquin. Paris: Vrin, 2008, pp, 159-167

domingo, 15 de março de 2009

Todo o ser é belo - Todo ser é bom

Não obstante, outras faculdades cognitivas percebem também a beleza. Nós sabemos por experiência, que nós não chamamos belos os objetos dos sentidos de atração, de tocar e do gosto. Somente os sentidos que tem um conhecimento mais perfeito fazem a experiência do belo, a saber, a visão e a audição, na medida em que eles estão a serviço da razão. Isto se explica pelo fato que a experiência da beleza é a percepção da claridade de uma forma, da proporção e da harmonia das partes de um objeto. Ora, em última análise, só o intelecto pode conhecer esta claridade e esta ordem ou proporção. Certamente, nossos sentidos da visão e da audição conhecem as formas e os sons, mas sem a ajuda do intelecto, nós não poderíamos conhecer a beleza enquanto tal, isto é, o fato de que os objetos percebidos pelos sentidos estão adaptados e estão em harmonia com o desejo tão profundo do intelecto da claridade e da ordem. Nenhum animal tem uma experiência da beleza no sentido estrito do termo, ainda que ele possua os elementos materiais necessários a experiência da beleza. Os sentidos inferiores consideram seus objetos menores como o que é separado do conhecimento a ele exteriormente, o que é diretamente ligada ao sujeito. É porque estes sentidos têm uma menor capacidade em perceber a claridade e a ordem. Sua colaboração com o intelecto é também menos direta que aquela da visão e da audição.

O belo se definiu como conhecimento que é uma fonte de prazer. Antes de tudo, o belo é uma coisa na qual o ato de conhecer e o desejo fundamental do intelecto encontram sua satisfação e alcançam seu repouso. O desejo que fala Santo Tomás é em primeiro lugar a tendência das faculdades cognitivas superiores por um conhecimento claro, mas o termo designa também na faculdade apetitiva por si mesma (ao mesmo tempo o apetite sensível e intelectual), que encontra sua plenitude se repousando num belo objeto.

A beleza tem uma relação com verdade: chama-se com efeito da verdade (splendor veri) porque ela se realiza pela claridade e pelo brilho, assim como pela harmonia das partes bem proporcionadas (ou pelas riquezas interiores da essência); é o que se chama a ratio obiectiva pulchri. No entanto, a beleza é ligada também ao bem porque a experiência que se tem dela preenche a vontade (o que se chama ratio sbiectiva pulcri). O belo e o bem são idênticos na coisa porque os dois são estabelecidos pela forma. O belo é uma espécie de bem. Isso não significa que o belo seria como uma espécie no interior de um gênero (como o tigre é uma espécie dos animais) e por conseqüência não teria a mesma extensão que o bem enquanto conceito transcendental. Santo Tomás confirma categoricamente que todas as criaturas são belas e que cada forma é, de um certo modo, radiosa e perfeita. Pela expressão species boni ele quer sem nenhuma duvida dizer, que o belo acrescenta alguma coisa ao bem, a saber, uma correspondência particular com o intelecto, que resulta da claridade e da ordem harmoniosa das partes, que é próprio dos seres. O belo está ligado a verdade porque está ordenada as faculdades cognitivas; ele está ligado ao bem porque satisfaz a vontade.

O belo é por conseqüência, esta propriedade dos seres que surgiu de uma associação da verdade e do bem. Isto explica porque Santo Tomás não o menciona como um transcendental especial. Sendo uma síntese da verdade e do bem ele é o objeto do conhecimento contemplativo do homem que esperará sua perfeição na beatitude na visão de Deus. O belo é admirado e amado por causa de sua forma, não é, em primeiro lugar, um bem que se deseja esperar. A vida contemplativa por si mesma é bela. A atividade da inteligência efetuada na claridade e na ordem é bela por excelência. As virtudes morais também são belas enquanto elas participam das ordens dos atos humanos na verdade ultima do homem, uma ordem que elas ajudam a assegurar. Tem esta proposta David Hume em que escreve: não há espetáculo mais belo que uma ação nobre e generosa.



ELDERS, L.J., La metaphysique de Saint Thomas d’Aquin. Paris: Vrin, 2008, pp, 159-167


domingo, 8 de março de 2009

Todo o ser é belo - Santo Tomás de Aquino e a beleza do ser

Tomás definiu a beleza da seguinte forma: É próprio ao bem de saciar nosso desejo quando o alcançamos, ainda que seja próprio do belo quando ele é conhecido. O belo acrescenta por conseqüência qualquer coisa ao bem, a saber, o fato de ser ordenado no conhecimento. Define-se, então, o bem como o que preenche nosso apetite, ainda que se defina o belo como o conhecimento que nos alegra. “o belo e o bem são a mesma coisa no sujeito, porque ambos estão estabelecidos sobre a mesma coisa: a forma; respeita-se o bem tanto quanto o belo. Mas, eles se diferem em seu conteúdo conceitual, porque o bem se refere propriamente ao apetite; ele está na prática pelo qual todas as coisas tendem. É porque o bem tem a natureza ultima, pois o apetite é a tendência para algo. O belo, por outro lado, está associado à faculdade do conhecimento, porque se diz que as coisas que nos agradam quando nós as vemos, são belas. O belo consiste, então, em uma justa proporção, porque nossos sentidos encontram no prazer nas coisas que são bem proporcionadas como no que lhe aparece. Porque nossos sentidos, tal como todas as faculdades cognitivas, é certo entendimento. É porque o conhecimento age por assimilação e que a semelhança é associada à forma em que o belo participa devidamente a o que nós chamamos de causa formal”

Neste texto Santo Tomás não se contenta em dar uma definição de beleza: a partir da beleza que nós conhecemos primeiro e que nos é mais acessível – a saber, aqueles objetos da visão e da audição – ele estabelece que qualquer coisa é belo e corresponde à uma ordem se produz uma satisfação que a experiência da beleza nos conduz. Em numerosas passagens Santo Tomás escreve que o projeto harmonioso das partes de uma coisa é essencial na beleza. Ele fala da “proporção necessária” da “proporcionalidade” (das partes entre elas) e da “harmonia das partes”, de sua “boa ordem”. Esta ordem pressupõe a integridade de uma coisa. Santo Tomás retoma muitas vezes as noções do brilho e da claridade, noções que, elas mesmas, são próprias a o que é belo. O ser que é belo se mostra ao homem em sua claridade racional.

A ordem e a claridade, que constituem a beleza, brotam da forma essencial das coisas belas. A forma é o fundamento ultimo de sua beleza. A forma é por si mesma bela. Ela é a mais alta participação na beleza e na claridade de Deus. “toda forma, graça na qual uma coisa tem o ser, é certa participação na claridade e na participação de Deus”. “A forma é alguma coisa de divino, elam possui a maior perfeição e é desejável. Há alguma coisa de divino na forma porque cada forma é uma participação, do ponto de vista da semelhança, no ser divino que é o ato puro: toda a coisa é realizada na medida onde ela possui a forma. A forma é o que há de mais perfeito porque o ato é a perfeição da potencia e seu bem; de lá vem que ela é também desejável, porque toda a coisa tende para a perfeição”. Tomás chama esta participação na perfeição de Deus uma particularização (particulatio): a forma, que nela mesma é ilimitada, é particularizada, delimitada e, de certa maneira, dividida em formas individuais. A forma é uma realidade luminosa que provém da claridade e da claridade primeira, isto é, de Deus.



ELDERS, L.J., La metaphysique de Saint Thomas d’Aquin. Paris: Vrin, 2008, pp, 159-167


domingo, 1 de março de 2009

Todo o ser é belo - O sentido da beleza na tradição cristã

Como mostram as citações acima, Plotino afirma a Beleza ontológica das coisas. Em vista da atenção que levava o fundador do neo-platonismo à beleza, não se surpreende mais em ver Santo Agostinho tratar da beleza em vários de seus textos. Ele sublinha que por ser belo, uma coisa deve ser uno, isto é, que ela deve parecer em sua forma ideal: “Toda a Beleza é uma”. As partes do que é belo estão ordenados uns aos outros e a sua fonte de unidade. Agostinho levanta também a questão de saber se as coisas são belas porque elas nos agradam ou se elas nos agradam porque elas são belas. Um outro problema: por que as coisas são belas? Pode ser porque suas partes parecem umas com as outras e são alinhadas harmoniosamente umas as outras a um acontecimento? Ao passo que Santo Agostinho responde a estas questões, ele nota que, apesar disso, as coisas não alcançam esta unidade à qual elas tendem; ele se vê, então, confrontado na questão de saber onde se encontra a unidade real. Tomando a teoria platônica da participação, ele sugere que não se pode retirar o conhecimento da unidade pura, que é a base de uma experiência do belo na percepção do corpo estendido no espaço. A Beleza é o brilho da unidade das coisas e a ordem de suas partes. Denys o Areopagita, do qual em seus escritos tiveram uma grande influencia sobre o Ocidente latino, segue a mesma linha de pensamento. No esplendor do seu ser, Deus é a Beleza por si mesmo; Ele criou o mundo a partir do amor de sua própria Beleza e as criaturas partilham mais ou menos de sua Beleza.

Estudando os doutores que imediatamente precederam Santo Tomás, nós vemos que Guillaume d’Auverne que o que é bom é igualmente belo; Jean de la Rochelle acrescenta por sua parte a beleza na tríade de Philippe Le Chancelier (unidade, verdade, e bondade). Num texto importante, Boaventura enumera quatro propriedades transcendentais do ser: a unidade, a verdade, a bondade e a beleza. Santo Alberto definiu a beleza como ser “o esplendor da forma substancial ou acidental sobre as partes materiais que são proporcionadas e delimitadas”. A essência da beleza reside na harmonia de certo numero de partes. Para Santo Alberto, esta proporção de partes constitui o elemento material da beleza, ao passo que o esplendor da beleza é o componente formal. Em seu Super dionysium de divinis nominibus ele atribiu três características essenciais da beleza: o esplendor da forma das partes bem proporcionadas; o despertar do desejo; a reunião de todas as coisas pela forma da qual o esplendor constitui a beleza (congregat omnia ex parte formae cuius resplendentia facit pulchrum).


ELDERS, L.J., La metaphysique de Saint Thomas d’Aquin. Paris: Vrin, 2008, pp, 159-167