5.1 – Kyrios
O título, Senhor, é o que melhor expressa a condição de Jesus em ter sido exaltado e de estar à direita de Deus. Jesus estaria na condição de glorificado, e vela pela humanidade. Os primeiros cristãos deram a Jesus o título de KYRIOS, proclamando que não é somente uma pessoa do passado, inserida, na história, e um objeto de esperança futura, mas uma pessoa que se encontra no presente. Jesus se encontraria vivo para que a humanidade possa elevar suas orações até Ele e a Igreja possa invocá-lo em culto, fazendo com que as orações possam se tornar eficaz.
Paulo utiliza em seus textos (Rm 10,9; Fl 2,9; 1Cor 12,3) a terminologia de KYRIOS para Jesus. Os textos mostram que Paulo faz uma confissão de fé e que não inventara tal fórmula ou expressão, mas que herdara da comunidade palestina juntamente com as concepções lá existentes. A fé, no KYRIOS, é a experiência da presença do Senhor.
Em Rm 10,9, tem a expressão confessar com a boca, crer com o coração que faz com que Paulo considere: Jesus é o Senhor[1]. É a expressão de fé por parte de Paulo que abarca todas as outras.
No texto de Filipenses 2,9, refere-se numa confissão de fé, em que todos os seres da terra dos céus e dos abismos proclamam Jesus como Senhor. O texto forma uma cristologia que afirma Cristo em sua vida constitutiva, na história, e a sua preexistência. Cristo é exaltado, é considerado como KYRIOS (Senhor). Cristo existia já, em princípio, em condição divina. Cristo se despojou de sua condição divina não por uma forma desobediente, mas concedeu em razão de obediência até a morte de cruz. Por isso, é constituído como Senhor. A exaltação em igualdade com Deus prevalece, pois Deus concedeu o nome que está sobre todo o nome: KYRIOS. KYRIOS é o nome o qual não pode ser igual e nem menor do que qualquer um outro nome. Isso se deve ao fato de que KYRIOS é a tradução grega do hebraico ADONAI (próprio de Deus). Os cristãos não se limitaram a dar um nome puro a Jesus, pois tanto, no judaísmo quanto, nas outras religiões antigas, o nome indica ao mesmo tempo o poder. À KYRIOS IESOUS é concedida toda a soberania e sabedoria, pois é igual a Deus. Toda a criatura (inclusive as invisíveis) clama Jesus é o Senhor[2].
Em 1Cor 12,3, Paulo apresenta a influência do helenismo. Afirma a existência de outros kyrioi, ou seja, o culto ao imperador estabelece como uma força, na região de Corinto. Só se reconhece Jesus como Senhor pelo Espírito Santo, pelo Espírito de Deus. Evidentemente, o Espírito de Deus é aquele que fala em toda a oração feita pelo cristão, fazendo que reconheça a Deus que é Pai e a Jesus como Senhor[3].
Há outras considerações de Paulo a respeito de KYRIOS, principalmente quando atribui KYRIOS no contexto da parusia[4]. Cristo se torna o juiz dos vivos e os mortos.
Não obstante, Cerfaux afirma que KYRIOS é uma designação de difícil compreensão para Paulo. KYRIOS seria uma atribuição à pessoa de Jesus, em sua vida mortal e não somente um nome que afirme apenas o Cristo celeste e transcendente[5]. Eis o questionamento: Paulo teria concebido KYRIOS com o mesmo significado da Bíblia grega?[6] O questionamento se deve ao fato de que a terminologia que se refere à KYRIOS ou Messias dizia respeito também à descendência de Davi[7]. Todos aqueles que estiveram à frente em Israel descenderam de Davi. Esses foram considerados como “ungido” de Deus.
Apesar da dificuldade em apresentar uma resposta coerente enquanto o KYRIOS, no sentido da preexistência, ou seja, Jesus como Senhor, desde a eternidade, não se pode negar que os cristãos souberam identificar o Cristo como aquele que se distingue da pretensão divina do imperador[8].
O mistério da realeza de Cristo tem, por sua vez, seu prolongamento por meio do mistério da salvação. Cristo é a justificação de toda a humanidade. Ser justo é seguir as vontades de Deus. Evidentemente, a graça de Deus se faz presença na humanidade. Não obstante, a superação do pecado é a sabedoria do homem ungido pelo Espírito que conduz ao projeto do Pai em que a todos competem o Reino de Deus. É o cristão agindo, segundo a ação do Espírito Santo, com amor e solidariedade a exemplo de Cristo.
[1]“Não se pode duvidar que tenha pertencido ao uso litúrgico geral da Igreja antes de ser assumida por Paulo” (cf. Oscar CULLMANN, Cristologia del nuevo testamento. pp. 289).
[2] (cf. Oscar CULLMANN, Cristologia del nuevo testamento. pp. 289).
[3] (cf. Oscar CULLMANN, La oracion em el nuevo testamento. pp. 130).
[4] 1Ts 4,16
[5] (cf. Lucien CERFAUX, Cristo na teologia de Paulo. pp. 362).
[6] “O hábito de denominar Soberano ‘Senhor’, KYRIOS é um traço de costumes orientais, que passou para a língua grega, na época do helenismo, sob a influência de idéias orientais. Encontramos disseminado no Oriente o título ‘Senhor’, quase sempre sob a forma de ‘nosso Senhor’ dado aos reis. O título KYRIOS, atribuído aos reis pelos greco-romanos no Oriente, não tem por si mesma relação alguma com o culto, mas pertencem a todos os soberanos. Ligado à pessoa dos imperadores, tomou um sentido ainda mais especial, na linguagem do povo, significando concretamente ‘o imperador’. Ainda aqui continua com freqüência a ser simples título honorífico, ou antes de função, dado ao soberano só pelo fato da dignidade imperial, sem que haja liame necessário e essencial entre o apelativo KYRIOS e o culto imperial”. (cf. Lucien CERFAUX, Cristo na teologia de Paulo. pp. 359).
[7] “Com o estabelecimento da monarquia, a idéia messiânica assume a forma política da monarquia israelita e próprio rei, Davi, com sua dinastia, transforma-se no elemento dominante do messianismo. A predominância do rei nasce da concepção que o mundo antigo tinha do rei e da realeza: o rei era a encarnação visível do seu povo, uma pessoa representativa através da qual e na qual o povo agia como unidade política”. (cf. John. L., MACKENZIE, Dicionário Bíblico. pp. 606).
[8] “A realeza entre soberania de Cristo e Páscoa evidencia o estilo específico da realeza de Cristo: o seu domínio não é como o dos reis deste mundo, mas se exprime através da doação de si até a morte na cruz, cumprindo a obediência à vontade do pai” (cf. Mario SERENTHÀ, Jesus Cristo ontem, hoje e sempre. pp. 505).
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