domingo, 26 de abril de 2009

4 - Cristologia da Sabedoria – A sabedoria encarnada.

4 - Cristologia da Sabedoria – A sabedoria encarnada.

A cristologia da Sabedoria tem como alicerce os textos sapienciais, tais como: Provérbios, Jó, Eclesiástico, Eclesiastes e a Sabedoria de Salomão. Mas, a cristologia da Sabedoria só passou a ter relevância nos últimos trinta anos para os estudiosos. Isso se deve ao fato de que os livros de Eclesiastes e Sabedoria foram usados pelos cristãos da septuaginta. Esses livros eram considerados deuterocanônicos, ou seja, a versão em grego dos escritos em hebraico. Por ter sido escrito em grego e ser uma “manuscrito” já recente, esses livros não foram aceitos pelos fariseus e, posteriormente, pelos protestantes, sendo que este último considerava tais livros: Eclesiastes e Sabedoria como apócrifos.

A tradição sapiencial apresenta vários temas dos quais poderiam compreender as diversas interpretações a pessoa de Jesus: personificação da presença de Deus (Sb. 7), a sabedoria de Deus antes da criação do mundo (Pr. 8,22-32), a sabedoria como imagem da bondade divina (Sb. 7,25-26) e por fim, a tradição sapiencial compreendida como a justiça para o sofredor que se tornou vítima dos maus, orgulhando-se este ao afirmar que Deus é seu Pai (Sb. 2,16). Assim, ele é chamado de Filho de Deus (Sb. 2,18).

Os cristãos puderam encontrar a sabedoria de Deus em Jesus[1], assim como o autor do Eclesiástico identificou a sabedoria divina, na ordem do mundo e na vida humana.

Segundo Witherington, encontra-se, em todo o corpus paulino, expressões de uma cristologia sapiencial[2]. Se assim for, podemos afirmar uma cristologia elevada, ou seja, de doutrina determinada à preexistência do Filho[3]. Os textos sapienciais dão ênfase ao conhecimento de Deus que se estende desde a criação até a parusia. A sabedoria de Deus para Paulo é o próprio Cristo[4]. Outro texto que merece destaque é o hino em Filipenses 2,6-11. O hino tem referência em ser mais antiga que Paulo. Retrata a Cristo, no mistério de sua encarnação, morte e glorificação. Jesus, tendo a condição divina, rebaixa-se, torna-se servo. Esse processo mostra que Jesus tornou-se o segundo Adão, sem participar do pecado do primeiro. Enquanto que o primeiro, Adão, quis se igualar a Deus, estar, na mesma condição de Deus, o segundo deixou sua condição divina para se aproximar da humanidade, humilhou-se à condição de Adão. O rebaixamento de Jesus se completa quando sofre e morre na cruz.

A primeira parte do hino, (vv. 2,6-8) está para uma condição de esvaziamento de Jesus e faz alusão ao texto de Isaias:

Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles, diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado e não fazíamos caso dele. Em verdade, ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos: e nós o reputávamos como um castigado, ferido por Deus e humilhado” (Is. 53,3-4).

Paulo adota esse hino que não é de sua autoria, mas adota como se assim fosse, para que sua vida possa se espelhar a vida de Jesus. O fato de Jesus se entregar, despojar-se de sua condição divina diz respeito ao fato de que o homem também deveria se despojar de sua realidade humana, sua posição social, para viver conforme Cristo determinou[5].

A segunda parte do hino (vv. 2, 9-11) diz respeito a Deus que se exalta e eleva a pessoa de Jesus, fazendo também alusão ao texto de Isaías (Is. 52,13). Jesus passa a receber o título de Senhor. Cristo é glorificado pelo Pai, pela Ressurreição. A Palavra de Vida, o Evangelho é o anúncio daquele que se entregou à morte e morte de cruz. Esse anúncio é a vida nova em Cristo que só terá seu sentido, no despojar-se dessa nova vida em Cristo[6].

O hino cristológico é a indicação de Paulo como ele quer que a Igreja, a comunidade proceda assim como Cristo agiu e realizou. Da mesma forma, Paulo quis atuar como Cristo atuou e agiu. Paulo despojou-se de sua realidade atual (farisaica, irrepreensível) para alcançar a pessoa de Cristo[7] e entregar-se inteiramente a Cristo, sendo obediente às vontades de Deus[8].

Paulo tem a intenção de formar a comunidade para que todos sejam irmãos[9]. Dessa forma, Cristo é o modelo que devemos seguir[10]. Mesmos os conflitos e tribulações que tanto Paulo e a comunidade sofreram, tem encravado a solidariedade e a ternura quando se tem Cristo encarnado na vida de cada um.

A primeira parte do hino em Filipenses (vv. 6-8) tem sido muito discutida. Há aqueles que afirmam que interpretam apesar da divergência da linguagem (morphé teous – forma de Deus/tomando a semelhança humana) e da dimensão do rebaixamento tem-se uma preexistência de Jesus. A personificação da Sabedoria é o reconhecimento de muitos estudiosos em afirmar uma cristologia da preexistência.

Há nela, com efeito, um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil, móvel, penetrante, puro, claro, inofensivo, inclinado ao bem, agudo, livre, benéfico, benévolo, estável, seguro, livre de inquietação, que pode tudo, que cuida de tudo, que penetra em todos os espíritos, os inteligentes, os puros, os mais sutis. Mais ágil que todo o movimento é a Sabedoria, ela atravessa e penetra tudo, graças à sua pureza. Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do Todo-poderoso; assim mancha nenhuma pode insinuar-se nela. É ela uma efusão da luz eterna, um espelho sem mancha da atividade de Deus, e uma imagem de sua bondade”. (Sb. 7,22-26).

Witherington dá ênfase ao rebaixamento e à exaltação em sentido com a adoção da carne humana. A justificação do rebaixamento e da exaltação tem referência em Sabedoria[11]. Por outro lado, existem aqueles que afirmam que o hino em Filipenses não é suficiente para determinar uma preexistência de Jesus. Cristo seria apenas uma representação da sabedoria de Deus. Apesar da dificuldade em apresentar um parecer satisfatório sobre a preexistência de Jesus nos escritos paulinos, tem-se uma aceitação cada vez maior desta, no pensamento de Paulo ou bem antes dele[12]. Isso acontece porque a cristologia de sabedoria é muito antiga sendo que nesta já contém o conceito da preexistência, ou seja, Jesus, se assim for, já se encontraria com Deus já bem antes de sua existência terrena. Não obstante, Jesus já participaria também do ato criacional. Tal consideração se faz ressaltar uma cristologia alta descendente. Portanto, se fosse possível apontar uma veracidade a respeito da preexistência já nos escritos paulinos, o prólogo do Evangelho de João já deixaria de ser novidade[13].



[1] “A teologia sapiencial impregna diversas fontes neotestamentárias. É muito provável que o próprio Jesus fosse um mestre na tradição da sabedoria. Em sua pregação ele usa aforismos e parábolas narrativas (meshalim), evitando a clássica fórmula profética “assim diz Iahweh”. (cf. Thomas. P. RAUSCH; Quem é Jesus. pp. 223-224).

[2] Witherington (apud, Thomas. P. RAUSCH, 2006)

[3] Ib, pp. 223-224

[4] 1Cor 1, 22-24

[5] “Provavelmente, Paulo selecionou esse hino por causa das ênfases no desprendimento e na humildade que, em última instância, significa a própria morte. Esses são, precisamente, os assuntos sobre os quais ele instrui os filipenses.” (cf. Ivan HAVENER, Filipenses, in Dianne BERGANT, Robert J. KARRIS et alii; Comentário Bíblico. pp. 256).

[6] “Como Deus exaltou Jesus, o segundo Adão, assim também os cristãos que sofrem e morrem pela fé podem esperar ser ressuscitados para uma nova vida quando o Senhor exaltado voltar (1Ts 4,13-18)” (cf. Ib, pp. 256).

[7] Fl 3,8b;

[8] “Com essa obediência, ele os exorta [filipenses] a desempenhar um papel ativo na obra da própria salvação, com temor e tremor diante de Deus não no sentido de que podem aumentar a salvação conquistada por Cristo, mas no de que podem tornar realidade essa salvação entre eles em comunidade, porque em sua benevolência, Deus opera neles o querer e o fazer” (cf Ib pp. 257).

[9] Fl 2,2b-4

[10] Fl 4,21-23

[11] Sb 5,1; Sb 5,15-16; Witherington (apud, Thomas. P. RAUSCH, 2006)

[12] (cf. Thomas. P. RAUSCH; Quem é Jesus. 227).

[13] Ib.

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